Poema VI

Te recordo como eras no último outono.
Eras a boina cinza e o coração em calma.
Em teus olhos pelejavam as chamas do crepúsculo.
E as folhas caiam na água de tua alma.

Apegada a meus braços como uma trepadeira,
as folhas recolhiam tua voz lenta e em calma.
Figueira de estupor em que minha sede ardia.
Doce jacinto azul torcido sobre minha alma.

Sinto viajar teus olhos e é distante o outono:
boina cinza, voz de pássaro e coração de casa
fazia onde emigravam meus profundos anseios
e caiam meus beijos alegres como brasas.

Céu desde um navio. Campo desde os cerros.
Tua recordação é de luz, de fumaça, de tanque em calma!
Mais além de teus olhos ardiam os crepúsculos.
Folhas secas de outono giravam em tua alma.

Pablo Neruda

2 comentários sobre “Poema VI

  1. Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão.
    puxaste-me para os teus olhos
    transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
    ainda apanhámos o crepúsculo.
    As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
    diferente inundava a cidade. Sentei-me
    nos degraus, do cais, em silêncio.
    Lembro-me do som dos teus passos,
    uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
    e a tua figura luminosa atravessando a praça
    até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
    o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
    continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
    essa doente sensação que
    me deixaste como amada
    recordação.
    N. Judice

  2. Contente. Contente do instante
    Da ressurreição, das insônias heróicas
    Contente da assombrada canção
    Que no meu peito agora se entrelaça.
    Sabes? O fogo iluminou a casa.
    E sobre a claridade do capim
    Um expandir-se de asa, um trinado

    Uma garganta aguda, vitoriosa.
    Desde sempre em mim. Desde
    Sempre estiveste. Nas arcadas do Tempo
    Nas ermas biografias, neste adro solar
    No meu mudo momento
    Desde sempre, amor, redescoberto em mim.

    -Hilda Hilst-

    Beijos………

Deixe um comentário