Ode Aos Calhordas

Os calhordas são casados com damas gordas

Que às vezes se entregam à benemerência:

As damas dos calhordas chamam-se calhôrdas

E cumprem seu dever com muita eficiência

Os filhos dos calhordas vivem muito bem

E fazem tolices que são perdoadas.

Quanto aos calhordas pessoalmente porém

Não fazem tolices — nunca fazem nada.

Quando um calhorda se dirige a mim

Sinto no seu olho certa complacência.

Ele acha que o pobre e o remediado

Devem procurar viver com decência.

Os calhordas às vezes ficam resfriados

E essa notícia logo vem nos jornais:

“O Sr. Calhorda acha-se acamado

E as lamentações da Pátria são gerais.”

Os calhordas não morrem — não morrem jamais

Reservam o bronze para futuros bustos

Que outros calhordas da nova geração

Hão de inaugurar em meio de arbustos.

O calhorda diz: “Eu pessoalmente

Acho que as coisas não vão indo bem

Pois há muita gente má e despeitada

Que não está contente com aquilo que tem.”

Os calhordas recebem muitos telegramas

E manifestações de alegres escolares

Que por este meio vão se acalhordando

E amanhã serão calhordas exemplares.

Os calhordas sorriem ao Banco e ao Poder

E são recebidos pelas Embaixadas.

Gostam muito de missas de ação de graças

E às sextas-feiras comem peixadas

Rubem Braga

Ao Espelho

Tu, que não foste belo nem perfeito,

Ora te vejo (e tu me vês) com tédio

E vã melancolia, contrafeito,

Como a um condenado sem remédio.

Evitas meu olhar inquiridor

Fugindo, aos meus dois olhos vermelhos,

Porque já te falece algum valor

Para enfrentar o tédio dos espelhos.

Ontem bebeste em demasia, certo,

Mas não foi, convenhamos, a primeira

Nem a milésima vez que hás bebido.

Volta portanto a cara, vê de perto

A cara, tua cara verdadeira,

Oh Braga envelhecido, envilecido.

Rubem Braga