Preleção sobre a sombra

Espera, que uma preleção eu vou te ler,

Amor, sobre o amor e sua filosofia.

Nessas três horas de nosso lazer,

Aqui vagando, um par nos precedia.

De sombras, que eram por nós mesmos projetadas;

Ora o sol está a pino sobre nós, tu vês,

E nossas sombras, sob nossos pés;

E tudo se reduz à brava claridade.

Assim, ao que nosso amor infante crescia,

Nossas sombras, o nosso disfarce, sumiam

De nós e nossos medos; mas avança o dia.

Nenhum amor atinge o seu mais alto grau

Enquanto a vista alheia teme, como um mal.

A menos que o amor no zênite haja parado,

Produziremos novas sombras do outro lado.

Se as primeiras servem a nos ocultar,

Aos outros cegando; estas, a atuar

Atrás de nós, é qual a nós mesmos cegar.

Se nosso amor definha e declina no poente.

Tu a mim e eu a ti, falsamente,

Nossas ações deixamos que se disfarcem

Entre nós. As sombras da manhã se desfazem;

Estas crescem sempre mais, todavia,

Pois, ai! se o amor se esvai, curto é o seu dia.

O amor é uma luz sempre crescente e constante;

Seu primeiro minuto após meio-dia é noite.

John Donne

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