“Sobre o mar, por toda a parte ao mesmo tempo, abrem-se flores de que creio ouvir o impulso dos caules a mil metros de profundidade. O oceano cospe a sua seiva em eclosões de espuma. Permaneci nos vestíbulos quentes e lodosos da terra, que me cuspiu da sua profundidade. E eis-me chegada. Vimos à superfície. Há espaço suficiente para que todo o oceano venha rebentar ao sol, para que cada parte de água despose a forma de ar e amadureça no seu contorno. Existe a minha que os olha. Eu sou flor. Todas as partes do meu corpo se abriram sob a força do dia, os meus dedos que se abrem da palma da minha mão, as minhas pernas, do meu ventre, e até à extremidade dos meus cabelos, a minha cabeça. Experimento a lassidão orgulhosa de ter nascido, de ter chegado ao termo deste nascimento. Antes de mim, não existia nada no meu lugar. Agora, existo no lugar do nada. É uma susessão difícil. Daí sem dúvida o sentimento de ser uma ladra do ar. Agora sabemos e sentimos o prazer em ter vindo ao mundo. Eu roubo o meu lugar ao ar,mas estou contente.Aí está. Ali estou. Estendo-me. Está agradável. Sou uma farinha ao sol.”
“Marguerite Duras” in vida Tranquila